Fonte: Agencia RBS – 16/06/2017
Jornalista Camila Nunes
Aos três anos de idade, Anderson Wassian sofreu uma grave alergia medicamentosa e precisou ser internado na UTI de um hospital. O menino passou 40 dias em coma e acabou ficando cego. Hoje, aos 17, Anderson é um dos destaques do judô paralimpico gaúcho, integrante da equipe da Associação de Cegos do Rio Grande do Sul.
Sua trajetória até os tatames não foi fácil. Com sequelas físicas depois de vencer o coma — como queimaduras pelo corpo e os cílios que cresciam para o lado interno dos olhos —, o menino teve uma infância marcada por cirurgias e depressão. De temperamento arredio, quase não tinha amigos. A mãe, Tânia Karina Wassian, conta que a visão foi diminuindo aos poucos. Embora Anderson não tenha ficado totalmente cego, a acuidade visual é muito baixa e agravada por uma fotofobia, que a torna oscilante.
— Não era possível medir a acuidade visual dele, e as escolas nas quais ele estudava, muitas vezes, cobravam como se ele enxergasse. Não o tratavam como deficiente visual. Ele tentava andar de bicicleta e não conseguia. Jogava futebol e batia a cabeça na trave. Ele tentava ter uma vida de criança que enxergava, mas não tinha condições — relata a mãe.
Somente aos 13 anos Anderson sentiu o jogo virar. Convencida pelos médicos de que a falta de visão do filho era irreversível, Tânia decidiu que precisava dar a ele condições para que tivesse uma vida adaptada à realidade de um deficiente visual. A primeira atitude foi tirá-lo da escola onde estudava e matriculá-lo no Instituto Santa Luzia, tradicional colégio de Porto Alegre conhecido por receber grande número de cegos entre seus alunos. Anderson desabrochou. Aprendeu a andar com a bengala e descobriu o paradesporto.
Nas aulas de educação física, conheceu o goalball. Chegou a praticar o esporte por algum tempo, inclusive disputando as Paralimpíadas Escolares de 2014. Mas Anderson gostava mesmo era de judô. Desde pequeno, brincava de luta com o irmão mais velho. Pela TV, admirava o ex-judoca gaúcho João Derly, bicampeão mundial.
— O judô para mim significa autonomia, disciplina e noção de respeito ao próximo. Amo o que eu faço — declara Anderson.
Sabendo do interesse, um professor do Santa Luzia o apresentou aos senseis do Grêmio Naútico União. Anderson ganhou uma bolsa para treinar no clube.
A permanência no União durou poucos meses. Motivado por um grupo de amigos, também deficientes visuais, que eram judocas da Acergs, Anderson passou a treinar na Faculdade de Educação Física, Fisioterapia e Dança da UFRGS. Por meio de uma parceria com o projeto de extensão Bugre Lucena, a Associação de Cegos do Estado oferece a prática do judô para jovens e adultos.
Gustavo Schumacher, professor do Bugre Lucena e técnico da equipe da Acergs, relembra que, logo que chegou, Anderson já mostrava ser um atleta diferenciado:
— Quando a pessoa começa a praticar judô, ela demora um tempo para iniciar as competições. Só que, no caso do Anderson, nós o colocamos para competir mais cedo do que a média. Justamente porque víamos nele um grande potencial. Tinha uma postura diferenciada, um comportamento em cima do tatame adequado nos combates. É difícil traduzir em palavras. Mas a gente, que tem experiência, bate o olho e sabe quando um atleta tem potencial. Ele reproduz bem o que pedimos. É coordenado. Tem muita força física.
Os treinos de Anderson duram cerca de uma hora e meia, no período da noite, de segunda a quinta. Para manter o físico em dia, o faixa laranja corre na esteira por 25 a 30 minutos, quatro vezes por semana, em uma academia perto de casa. O peso é uma preocupação constante na vida do paratleta. Para não ultrapassar os 66kg, categoria em que o jovem luta, cortou carboidratos e mantém uma alimentação à base de verduras e proteínas.
A bolsa que recebe do governo federal como paratleta na categoria estudantil — R$ 370 mensais — ajuda na compra dos alimentos necessários.
O dia de Anderson começa cedo. Às 6h, já está de pé. Acompanhado da mãe, caminha até a parada e pega o ônibus que o leva para o bairro Cavalhada, onde fica o Santa Luzia. Lá, se desloca sozinho, com o auxílio da bengala. Quando precisa viajar para disputar alguma competição, o colégio lhe dá suporte, oferecendo a possibilidade de recuperar trabalhos. O lazer fica em segundo plano.
— Nunca fui muito de ir a festas. Sou bem caseiro. Até porque estudo de manhã e treino à noite. Nem tenho muito tempo de ficar saindo. Então, para mim, essa rotina é bem tranquila — garante Anderson.
Quando fala das próprias virtudes como judoca, Anderson diz ser muito confiante em cima de um tatame. Schumacher complementa:
— Ele tem toda uma postura de combate, uma capacidade de compreender o cenário da luta. Ele me ouve muito durante os duelos. Ele capta muito facilmente o que estou passando. Temos uma sintonia muito boa.
Anderson atribui ao apoio da família — especialmente da mãe — grande parte do êxito na carreira:
— Minha mãe sempre corre comigo em tudo que eu preciso: laudo médico, exames físicos. Além disso, ela me ajuda a segurar na alimentação, me alertando para o que vou comer. Está sempre de olho no que eu faço, querendo o meu melhor. Esse apoio é fundamental para mim.
O garoto sonha com os Jogos Paraolímpicos de Tóquio, em 2020. A mãe orgulha-se da transformação que o esporte causou na vida do filho:
— Hoje ele tem identidade, tem vida. Antes ele era o coitadinho, aquela criança depressiva. Hoje ele é o Anderson Wassian, atleta do judô. É um vitorioso, uma pessoa dedicada e totalmente transformada pelo esporte.
Na Associação de Cegos do RS, o judô sobrevive graças a uma parceria com a UFRGS, pelo projeto de extensão Bugre Lucena. Como a Acergs não tem locais próprios de treinamento, a equipe utiliza as instalações da Faculdade de Educação Física, Fisioterapia e Dança (Esefid). Toda a estrutura de professores e coordenadores pertence à universidade. Em caso de lesão, a clínica de fisioterapia é utilizada pelos paratletas.
— Tínhamos um projeto que contemplava a remuneração de professores, custeio de passagens aéreas e compra de materiais. Era um edital do Ministério do Esporte, que vencia em março de 2016. Como sobrou esse valor, apresentamos um pedido de aditivo. Em abril, recebemos a autorização. Só que, com a troca do governo, a documentação ficou trancada e hoje esse dinheiro está parado na conta — lamenta Glailton Wincler – Diretor de Esporte da ACERGS.